Urbe Sub Rosa
Urbe Sub Rosa
PAULO DA COSTA DOMINGOS
Lisboa, 2021
viúva frenesi
1.ª edição
190 mm x 110 mm
100 págs.
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O andamento cauteloso de aranha
por entre o espasmo dos noctívagos
apressados assobiando a táxis
no indecoro do trânsito. Varetas
de chapéus sussurradas na chuva
que a noite alta esconde e sèca
entre folhas de um herbário.
A platitude a que chegámos,
estação sem gente ou sonho,
com seu relógio, ponteiros partidos.
Uns, que partem para quem vem
partir à procura do sentido
no vazio de imagens televisivas
de um hiper-real desfocado.
Escapa: o tempo, o modo e o local
na velocidade a que se parte
sem haver sequer domado sílabas.
*
As conversas ganham vida própria
e o que ia sendo um rumor de festa
torna-se sólido, enorme, e sufoca-se
sozinho, apneia d’ um nó na garganta.
Os risos fundem-se no som único de ferro
à travagem sobre um carril, enqüanto
todos os olhares mudos nos envolvem,
como pontos de brilho, casas ainda acesas.
Não há que dizer como é noite,
como se chegou a isto: à urgência
de encerrar o expediente e a porta
e sair à força para o impasse e o vómito.
Nadamos, se nadar é isto: esgracejos.
A muralha de ditos e de saberes
lá continua, inalterável, como se
nunca eu tivesse passado por ali.