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  • Um dia, um grande homem eloquente

Um dia, um grande homem eloquente

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Um dia, um grande homem eloquente
Luís Miguel Rosa

Ei, curtes história? Pois tás com azar, que a história não te curte nada a ti. Aliás, não curte ninguém: guerras civis, invasões, ditaduras, massacres, fanatismo, autos-de-fé – é dum tipo achar-se indesejado. Mas não temas, leitor, o correctivo está aqui: entra nos últimos 400 anos de Portugal com todo o seu ridículo, intolerância e prepotência. Acompanha um goês entalado entre a Índia e Salazar, e o seu neto que quer reerguer o Califado onde outrora foi al-Andaluz; maravilha-te com a vida de Lázaro Luso da Anta na sua gesta extenuante para proteger a I República do povo português; e apieda-te dum ex-inquisidor na sua cansativa batalha contra hereges para manter a Cristandade intacta.

 
Excerto

Samar, tal como a maioria das pessoas, odeia a maioria das pessoas. O ódio, como a humidade nos trópicos, é um tópico persistente na sua paisagem mental. Contudo, naquela madrugada, resfriando especado no ESA sob uma bátega, faltou-lhe até a proactividade ingénita para odiar os passageiros do avião rolando pelo taxiway em obediência aos comandos do SOA. Trabalhava na placa à chuva pela primeira vez desde o exame final da formação, contra a sua lealdade ao ódio uma cantilena de conforto conspirava dos confins do cérebro. Odiou, portanto, somente os colegas que ficaram a jogar à sueca. Rijo, encharcado e pingando que nem uma estalactite, sem um biombo barrando o briol, os olhos aos sacões cegos, mijados por rabanadas, tentou autocontrolar-se, obtundir esse ódio, focar-se nas instruções do SOA, não quer enveredar por erros, nem atribular a aterragem, nem encalacrar o emprego, acima do ódio pelos colegas está o amor, e os passageiros que hoje ajudar a aterrar serão os passageiros que um dia aniquilará em prova do seu amor por Alá.