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  • Transitórios (ou Cadernos de viagem)

Transitórios (ou Cadernos de viagem)

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SKU: 9786559002672

Transitórios (ou Cadernos de viagem)
Alexandra Lopes da Cunha

144 pp.
Urutau, 2022
9786559002672

Há alguns anos, quando conheci Alexandra Lopes Da Cunha na sua cidade de Porto Alegre, percebi, em nossa primeira conversa, algo muito evidente, mas que eu, carioca adotivo recém-hipnotizado pela cidade maravilhosa, não compreendi então: que a matriz literária brasileira é muito rica e não se resume às superpotentes centrífugas culturais do Rio e de São Paulo, tão centradas nelas mesmas, tampouco às riquíssimas tradições caipiras, sertanejas, afrodescendentes e indígenas do interior, da Bahia e do Nordeste e da imensa bacia amazônica, mas que também incluía a herança centro europeia, germánica, italiana e portuguesa de segunda geração, tão palpável no sul do Brasil que ela tão bem conhece, além da relação íntima, geográfica, intelectual com a riquíssima literatura em espanhol dos países do cone Sul.
O que não sabia então, e que fui entendendo e admirando ao longo dos anos, é que seu próprio trabalho é um magnífico exemplo dessa diversidade, dessa abertura e dessa vitalidade. Os soberbos relatos transitórios deste livro (que não por acaso tem o subtítulo de Cadernos de viagens) são uma nova prova. Há neles ecos do famoso mal-estar dos centro-europeus e de Kafka (e também da sua ternura e infinita compreensão do humano, esquecidas com frequência), está a versatilidade e o puro prazer narrativo dos grandes contistas uruguaios e argentinos, de Hebe Uhart a Felisberto ou Cortázar.
E, caso infrequente, seu trabalho com a língua portuguesa continua uma tarefa empreendida em livros anteriores, que consiste em refletir e reconstruir vínculos culturais e afetivos entre Portugal e Brasil, como é o caso de duas obras ainda inéditas: sua novelização da figura de Florbela Espanca (Os ossos de Florbela) e seu relato de um amor luso-brasileiro no romance Entre nós, oceano.
Assim, há nestes contos menções diretas e ecos das fábulas condensadas e meditativas de Pessoa; há uma lúcida opção pelo romantismo de Castelo Branco; há a irrenunciável e higiênica ironia, além da clareza incisiva que nos remetem a Eça e a Sá-Carneiro e a grande Agustina.
Alexandra vive agora, precisamente, neste norte de Portugal, que foi o território arquetípico de Bessa-Luís, cuja paisagem e o clima (o real e o moral) envolvem-na diariamente. Parece-me possível já senti-los presentes nas narrativas deste livro. Cariocas e paulistas se apressam (demasiado, creio) em afirmar que Portugal está muito longe e se vê diminuto de lá. Pelos olhos e pela voz de Alexandra, no entanto, Portugal recobra novo relevo e complexidade. A autora coloca-se como interlocutora e possibilita um diálogo frutífero e prazeroso entre literaturas e modos de entender, de construir e de renovar uma mesma língua.
Há um adjetivo que agora (atenção, isso já ocorreu em princípios dos anos trinta) começa a soar suspeito e condenável, apesar de resumir e condensar muitas das virtudes da melhor literatura: cosmopolita. Estes contos e esta voz o são no seu melhor sentido: aquele que entende que a própria identidade somente pode nascer e construir-se a partir da atenção, da compreensão e do interesse pelas infinitas identidades presentes neste mundo, vasto mundo, a bordo do qual viajamos.

Javier Montes