“— Então ouve: conta-se que quando se nasce nos é atribuído um vento, um vento de que a pessoa deve cuidar. Como hoje se tornou hábito deixar os ventos à solta dá esta confusão… Bom, um vento não é um pé de buganvília para estar amarrado e todos os dias tem de andar um bocadinho à solta, só assim é que nos traz os aromas distantes, o canto de um pássaro, uma música ou o beijo de um desconhecido… Todos os dias tem de soltar-se. Muito diferente é abandoná-lo, aí torna-se selvagem. — Então o vento é como um cão? — perguntou, intrigado, Clarabóia. — Um cão com feitio de gato. E pode tornar-se perigoso quando entra dentro de ti, levando consigo a memória de outros homens. — Entra dentro de mim como? — Pelos orifícios do corpo. O vento costuma vir dormir dentro dos corpos. Clarabóia desatou a rir. — Está a brincar. — Não estou não. Na minha terra os deuses vão dormir dentro das vacas, é por isso que a vacas são sagradas. Já ouviste dizer que na Índia as vacas são sagradas? — Não…
— Os ventos chegam pé ante pé, num sopro muito suave, quando estamos mesmo, mesmo a adormecer… — E depois divertem-se com os nossos sonhos? — Como é que adivinhaste?”