Personificamos tantas vezes essa terra escura, essa terra seca e quieta, estendida num tempo que nunca há de caber em relógios ou calendários. Somos tantas vezes esse território onde está o tudo que só o nada pode conter. Que podem os olhos saber duma paisagem assim? Que podem fazer o sangue e a pele, que podem as vozes construir para despertar um mundo assim, para o revelar, para o trazer ao mundo? Que ossos é preciso cuidar de ter para suportar um peso assim, um equilíbrio assim, uma perfeição assim do tamanho duma borboleta, ou do sopro certeiro dum vento? É hercúleo o trabalho do poeta: ligar o visível ao invisível, redesenhar o bem e o mal, escolher as linhas e os traços, meticulosamente, até tudo se tornar vida, esta vida, uma vida. E ler tudo isso, fluentemente, como se fosse água, a água que tudo ocupa, que toma os mais ínfimos espaços e que corre, que corre até à sede de alguma coisa ou de alguém.