Expectatio
EXPECTATIO
Maria João Mayer Branco
colecção: Frente à Obra. Arte e Filosofia | 3
Documenta, 2024
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Adelaide Lopes: «O culto da maternidade está presente na vida da Humanidade desde os seus primórdios, tendo-se traduzido em diferentes mitos e imagens artísticas ao longo dos tempos. No contexto da civilização cristã, esse culto foi associado à imagem da Virgem Maria, sendo as formas mais comuns da sua representação a Virgem com o Menino Jesus (habitualmente ao colo), a Virgem do Leite (expondo um dos seios e/ou amamentando Jesus) e a Virgem da Expectação (grávida).»
Proponho que nos detenhamos frente à Virgem da Expectação atribuída a Mestre Pero e tentemos o exercício a que, na nossa tradição, se chamou filosófico. Proponho que nos coloquemos diante desta obra com um olhar tão virgem quanto a Virgem: como se fosse a primeira vez, e nada soubéssemos ainda a seu respeito, e o sentido que habitualmente lhe atribuímos não escondesse o problema que ela nos dá a pensar.
Acontece que, nesta obra, nada parece problemático. Tudo nela é suave, as linhas deslizam sem atrito, desde o cair dos cabelos às pregas do vestido, à mão que repousa docemente sobre o ventre ou à ligeira inclinação da cabeça. Exceptuando a mão direita amputada, tudo aparece sem ângulos, toda ela é redonda, a começar, evidentemente, pela maravilhosa proeminência do ventre da Senhora […]. É uma imagem da suavitas, e até o peso da gravidez nos aparece de tal modo que nele vemos o seu contrário — vemos, ou podemos ver, a graça, quer dizer, a chegada do alívio que vem tornar o mundo mais leve, libertá-lo das suas penas, justificar as nossas dores, dar, por fim, um sentido ao que nos faz questionar, sofrer, duvidar.
[Maria João Mayer Branco]