Sinto-me confortável nesta ideia de que sonetos e imagens gostam de partilhar o mesmo espaço numa página, sendo que uma página é uma espécie de instalação, no sentido artístico — instalação bidimensional num objecto tridimensional e quiçá sequencial — o livro. Um livro é convencionalmente formatado em função de páginas brancas que tendem a amarelecer, povoadas por hordas de letras repetitivas, ou, na versão simplificada e mais abrangente de Pessoa, Livros são papéis pintados com tinta (tal como muitos desenhos). Há algo de enigmático, hierático e sacerdotal nos livros. Mas, como nos de Moore e Gorey, também há uma sábia tradição humorística e refinada, que não se sente incomodada com a convivência de dois modos de pintar com tinta que coabitem nas mesmas páginas. As imagens devolvem-nos algo de concreto e universal ante os mecanismos de abstracção próprios da escrita e da linguagem verbal, reféns de códigos e significados codificados.
Propõe-se aqui uma espécie de «auto-museu» de um delírio (multi)pessoal a que fui acometido há cerca de ano e meio, e por imitação de Moore, chamei-lhe Sonetário (há afinidades óbvias com a ideia de Sanatório, qual local onde se poderá, quiçá, sanar a insanável doença do sonetismo).