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Remoso

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SKU: 9786559003693

Remoso
de Ivan Braz

60 pp.
Urutau, 2022
9786559003693

Não se atravessa o Remoso impunemente e convém avisar: quem considerar que pode ler o livro de forma inocente corre imenso risco. É andança que pede pés descalços e curtidos. Som de batuque/corpo tomba no enterro/ sol caindo no couro. Já nos primeiros passos os olhos piscam como que diante daquele raio em temporal inesperado de dia que nasceu azul. As mãos, por sua vez, envergonham-se um pouco do tremor e pensam se não seria melhor pousar o livro por alguns minutos sobre a mesa, mas já não podem… cativas, continuam, em gesto obediente, percorrendo as páginas com um misto de cerimônia e volúpia. E há também o som que, remosamente, invade o corpo e faz tambor fundo, dentro, ignorando as tramoias do labirinto e se atrevendo a outros atalhos – Som do agreste. Fole/ trincando desprendido/ da sanfona. Do primeiro/ movimento até sua extensão/ máxima, o mergulho do pássaro. No fim da travessia não se sai dele mais leve, não se sai em estado de primavera; a gente sai chacoalhado e varrido pelos ventos que ele convoca. Como Clarice Lispector bem apontou: “arte não é liberdade, é libertação”. Pois é isso: saímos mais libertos. Os ventos levam para longe as folhas que já não se nutrem da seiva. Ficamos só com a seiva pulsando.
A escrita de Ivan Braz é maestrina ousada e, no concerto do poema, chama à vez, com o mesmo peso no arranjo, tanto a palavra quanto a sua falta, ou: a não-palavra. Pode ser que Ivan queira ‘apontar com o dedo’, tal como o seu dileto Gabriel García Márquez, aquilo que ainda não tem nome. E ‘apontar com o dedo’ significa trazer o seu corpo ao texto. Talvez por isso, ao ler o livro, tenha sentido tanto a presença do autor por todo canto. Vejo o Ivan Braz como um pastor a movimentar seus rebanhos de palavras. Hoje ele pode considerar que esta palavra fica bem ao lado daquela, mas, no dia seguinte, dependendo da fome de cada uma, pode muito bem criar outras movimentações. E é importante notar que em seu pasto há espaços para que as palavras-ovelhas respirem. Talvez deseje ele que, de tempos em tempos, elas olhem-se com certa distância para melhor se medirem em suas forças.
Ivan diz de onde veio. Se ele é de Feira de Santana não é menos verdade que Feira é dele também. Porque de outra forma como poderia ele desaguar em um livro de poesias tantas diferentes formas, cores, sabores, sons sem que se duvide, nem por um momento, da singularidade da sua linhagem? Ivan diz a que veio.
Café preto e pão torrado pela manhã/ e já penso que deus é bom. Valha-me Deus, porque tem escrita que rasga a gente por dentro.

Lu Lessa Ventarola