Quarentenário & desjejum
Quarentenário & desjejum
Lucas Augusto da Silva
134 pp.
Urutau, 2021
9786559001651
A pandemia de 2020 está se configurando gradativamente como um marcador secular. Ela inaugurou de forma histórica, drástica e efetiva, o século XXI. Nada produzido nesta fratura estará ileso do seu reverberar. Alguns de modo ligeiro, outros nem tanto. Quarentenário, de Lucas Augusto da Silva, expõe a solidão do período, em um diálogo frontal, nos seus conflitos e descobertas, neste que é o segundo livro de poemas do autor.
No início do recolher obrigatório, seus dias, revelados em seu diário de quarentena, se passam entre livros, escritos, filmes e “previsões xamânicas”. Aos poucos, seus versos versam sobre os móveis, a casa, as paredes da casa, tentando se esquivar em metáfora das limitações e tristezas impostas, que a sua “mão pariu”, e que se estabelecem num padrão, cada vez mais distendidas no tempo que, embora anunciado breve, agora parece não chegar ao fim.
Sua escrita ácida ironiza os altos e baixos do isolamento, os amores, os desamores, a sua condiçãoimigrante em Portugal, o Brasil e sua política execrável de abandono. E acaba por cair de boca, numa boca “remediadora de gritos engolidos”, e por adentrar as entranhas das adversidades colecionadas nestes tempos enquanto humanidade.
Escrever para não adoecer, adoecer de pensar-escrever. Quarentenário é um tratado – poético, desorientado e inflamado – que se pretende reorientar através da demarcação dos seus dias de escrita, preenchidas pela coleção (e excessos) de intimidades transparecidas entre nós mesmos e nossos corpos, nossos desejos e medos, nossa família, nossa casa, nossa imaginação, nossa loucura.
Como companheira de arte e de vida, possuo o olhar de uma expectadora privilegiada dos engendros que estas palavras assumem ao longo dos dias de Lucas. Inclusive, nos dias que calam e que faltam, atropeladas por espaços reivindicados pelo silêncio, até um pouco depois de “trinta e um de dezembro de dois mil e vinte”. Silêncio este que nada mais é do que um expoente do cansaço de um ano de 2020 denso, amargo, debochado e caótico. Um ano que ainda perpetuou suas incertezas, insistiu em ignorar a sua passagem, e declarou sua continuidade em 2021. Um ano que não se sabe nem quando, nem como, nem se um dia finalmente terminará. Lucas Augusto da Silva
Samara Azevedo
Lucas Augusto da Silva
134 pp.
Urutau, 2021
9786559001651
A pandemia de 2020 está se configurando gradativamente como um marcador secular. Ela inaugurou de forma histórica, drástica e efetiva, o século XXI. Nada produzido nesta fratura estará ileso do seu reverberar. Alguns de modo ligeiro, outros nem tanto. Quarentenário, de Lucas Augusto da Silva, expõe a solidão do período, em um diálogo frontal, nos seus conflitos e descobertas, neste que é o segundo livro de poemas do autor.
No início do recolher obrigatório, seus dias, revelados em seu diário de quarentena, se passam entre livros, escritos, filmes e “previsões xamânicas”. Aos poucos, seus versos versam sobre os móveis, a casa, as paredes da casa, tentando se esquivar em metáfora das limitações e tristezas impostas, que a sua “mão pariu”, e que se estabelecem num padrão, cada vez mais distendidas no tempo que, embora anunciado breve, agora parece não chegar ao fim.
Sua escrita ácida ironiza os altos e baixos do isolamento, os amores, os desamores, a sua condiçãoimigrante em Portugal, o Brasil e sua política execrável de abandono. E acaba por cair de boca, numa boca “remediadora de gritos engolidos”, e por adentrar as entranhas das adversidades colecionadas nestes tempos enquanto humanidade.
Escrever para não adoecer, adoecer de pensar-escrever. Quarentenário é um tratado – poético, desorientado e inflamado – que se pretende reorientar através da demarcação dos seus dias de escrita, preenchidas pela coleção (e excessos) de intimidades transparecidas entre nós mesmos e nossos corpos, nossos desejos e medos, nossa família, nossa casa, nossa imaginação, nossa loucura.
Como companheira de arte e de vida, possuo o olhar de uma expectadora privilegiada dos engendros que estas palavras assumem ao longo dos dias de Lucas. Inclusive, nos dias que calam e que faltam, atropeladas por espaços reivindicados pelo silêncio, até um pouco depois de “trinta e um de dezembro de dois mil e vinte”. Silêncio este que nada mais é do que um expoente do cansaço de um ano de 2020 denso, amargo, debochado e caótico. Um ano que ainda perpetuou suas incertezas, insistiu em ignorar a sua passagem, e declarou sua continuidade em 2021. Um ano que não se sabe nem quando, nem como, nem se um dia finalmente terminará. Lucas Augusto da Silva
Samara Azevedo