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Onde a palavra começa

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SKU: 9786559003020

Onde a palavra começa
Artur Jorge Paulino

56 pp.
Urutau, 2022
9786559003020

Conheci Artur Jorge Paulino num misterioso e precário estúdio de rádio, sótão da palavra dita, dos ritmos diversos da voz. Era aí, já lá vão uns anos, o silêncio que pontuava, e o tempo que media e mediava esse intervalo entre frases. Parceiros dessa arte de omissões e de sons, partilhámos o apreço pela poesia, o entusiasmo pelo dizer que procurava evitar os escolhos da declamação poética mais habitual. Rádio, sala, mesa atulhada de livros, folhas de papel, a nossa amizade ficou assim, porque assim nasceu, rodeada de poemas e biografias de poetas, numa espécie de “fúria sagrada” desagravando as Musas do éter e vencendo as carências da parca tecnologia.
Um poeta quase desconhecido bem podia encher-nos o serão, devolver à vida um vate soterrado pelo esquecimento deixava-nos um gosto como que de dever cumprido, tirar a grande poesia do seu pedestal poeirento era uma ambição nossa, quase diária, certamente ingênua. E os poetas novos encontravam naquele sótão o conforto hertziano merecido, sem esquecer a entrevista inevitável, terreno onde o Artur e eu, com mais intuição do que experiência, nos entendíamos perfeitamente.
Artur não se deu a ler durante muito tempo, apesar de eu adivinhar, para lá do amador de versos notório e do radialista talentoso, um autor que buscava, talvez, o seu momento. Porque sabemos bem que a inspiração (valeu-nos algumas discussões este tema) é uma coisa, se existe, e outra coisa o tempo de as “nossas” palavras ecoarem, despudoradamente no universo.
O poema existe talvez desde sempre, esperando o momento de ser escrito? Haverá o tempo certo para nos revelarmos nesta linguagem, e será importante o juízo dos outros naquilo que é o nosso “infinito particular”?
O tempo foi passando, como passam os rios, e nós atravessando, correndo (“Somos o que passa na centrifugação dos segundo” diz o poeta.) até este livro que me é dado apresentar.
Onde a palavra começa é uma surpresa. “Entre as palavras que debitas sincopadas/ Há sempre uma que tropeça no canto húmido dos teus lábios/ Para emprestar humanidade à rigidez do teu discurso.”
Quase coloquial, Paulino não foge aqui ao sortilégio, ao verdadeiro mistério das palavras e de toda a comunicação. Não por acaso a obra se abre aqui: “A palavra que se anula para que não seja dita/ Depurar sentidos é lapidá-los/ Até que a palavra dita já não exista;/ Apenas o rumor, por trás dela, permanece”.
É incerteza o que deve a poesia lançar no mundo hodierno, tão cheio de obscuras certezas, de palavras já sem força e sentido, em que os anunciados ministérios da verdade proclamarão um dia (senão agora) o significado e a veracidade de tudo? Outra vez o poeta: “Esgrimo palavras/ Lançando-as de sabre a alvorada que tarda/ Duelo o silêncio noturno/ Esperando, em vão, que ele me defronte./ Emboscam-me as respirações da casa,/ Aguardando o momento para a estocada certeira.” Nesse lugar onde a palavra começa e nos chama.

Bernardino Guimarães