MULHER AO MAR E GRINALDA
MULHER AO MAR E GRINALDA
Margarida Vale de Gato
Poemas
Capa de Jorge dos Reis
1ª edição, Março de 2018
140 Páginas
3º volume do projecto poético MULHER AO MAR que Margarida Vale de Gato tem vindo a escrever desde 2010.
MULHER AO MAR E GRINALDA integra todos os poemas das edições anteriores e acrescenta a novidade de uma “Coroa de Sonetos” e 16 novos poemas. Capa de Jorge dos Reis.
Sestina para Aurelia
Aurelia Plath, mãe, guardou entre os papéis
de Sylvia, filha, um ruivo rabo de cavalo,
puxo de cabelo cerce, ocorreu o corte
aos doze-treze, prenúncio duma morte
com sequelas. A angústia, uma tesoura
de ferro, escande, mancha sobre os retratos
todos, mesmo o da escola de arte, retrato
em três faces, tetraedros, grude em papel
sobre exóticas cores, vincos de tesoura,
talhado em esfinge o longo rosto de cavalo,
e algo de Índia e de karma, a má morte
que mãe alguma aguenta suspeitar, o corte
quando afinal ela era às vezes loura, o corte
quando tinha um mundo aberto, e nos retratos
ninguém a diz maluca, cortesã da morte —
de pequenina enfiada entre os papéis
ou nos bosques metida sobre o cavalo
Ariel, açulado, as pernas em tesoura,
assente quadril, livre rédea, tesoura
a toda a brida em direção à luz a corta-
-mato, a filha um só perfil com seu cavalo
em fogo e risco a lembra Aurelia —há um retrato
também de bicicleta e soquetes; os papéis
que ensaiou proliferaram, mas a morte
foi onde teve brio, Aurelia, ela jaz morta
e choram as mulheres, a parca co’a tesoura
daria até uma outra chance, outros papéis
se assim pudesse, um mais humano gás, um corte
em falso, mas a perda, mãe, face ao retrato
de antes não tem cura, a dor é um cavalo
torrencial, a tua filha é um cavalo-
relíquia inclemente da infância, a morte
é um mestre e levou-te todos, nos retratos
permanecem, pai e filha, uma tesoura
não aliviaria, por generoso corte
que aplicasse, há toda a sorte de papéis
e retratos, não há raízes para a morte;
pousa a tesoura, mãe sentimental que corta,
que faz um rabo de cavalo entre papéis?