Medir Com as Próprias Mãos a Febre
É preciso ler Ricardo Domeneck. São tempos estranhos os que vivemos, nos quais não damos atenção ao que dizem os nossos melhores poetas. Talvez, finalmente banindo os poetas da república — como entendeu-se tortamente o Platão da República —, supomos cumprir o desígnio de uma harmonia medíocre de magro contentamento & muito horror.
Mas é com isso que perdemos nossa civilidade em tempos tão estranhos. Este sexto livro de Domeneck, poeta brasileiro radicado em Berlim, na Alemanha, traz, na forma & no que diz (em poesia, como em arte, forma=sentido) as estranhas trepidações deste tempo, as complexas alegrias.
Não é um mero mecanismo de espelhamento porque o poeta aqui pensa, como na velha & exata fórmula de Fernando Pessoa: “aquele que em mim sente está pensando”. Não por acaso, o livro tem um desenho admirável, abrindo no pólemos grego das estátuas & dos hoplitas para ir se concluir na lápide do túmulo de Yasujir? Ozu, percurso que só não é significativo se você estiver sob efeito de alguma maciça distração.
Platão não está ali no topo desta orelha em posição neutra: “medir com as próprias mãos a febre” é um regime tão sistemático quanto irônico, uma vez que seria possível repetir Platão via Ovídio, e Marsilio Ficino depois, est deus in nobis, agitante calescimus illo;/impetus hic sacrae semina mentis habet (“há um deus em nós, ao se agitar nos aquecemos; seu ímpeto tem as sementes da mente sagrada”). Medimos, os poetas, nossa própria febre agora, & é uma febre de solitários, “a faca e o fogo/na própria pele”.
Os poemas deste livro sucinto e veemente são a resposta de quem sabiamente não quer ser Virgílio nem Pound, sóbrio de riso em sua própria pele febril, & que por vezes a empresta em monólogos fundamentais a suas personagens emblemáticas, vivas na voz.
Tempos estranhos, medida humana.
Gaudete,
Dirceu Villa