Pela janela via passar a cabeleira acesa e apagada a crina enriçada e escovada e o focinho dos cavalos brancos os olhos atravessados na garganta as mãos acenando a outros donos e os cães de circo montados sobre andas
Rogaram-me pragas esses que eu não pressentia atrás da minha clara janela com vista para fora e para dentro mas rasgada desde sempre na fachada da casa e para sempre emprestada à pessoa do meu medo e à minha culpada de haver corpo.
Por essa janela entreaberta entrava o perfume do fumo e do frio o barulho da fábrica fechada o pregão do vendedor de pernas para andar o harpejo do amolador de facas o batuque das ancas de um bando de criadas de folga estugando o passo ou de serviço para chegarem adiantadas a encontros de amor vário
Ó corações passados a limpo ó roupa engomada e abandonada ó sujidade conhecida de perto ó flora das intimidades continuai sem mim a soprar no vidro da minha janela tomado de ardência apesar da invernia por entre arrepios e suspiros
ou continuai comigo como já sem mim como já sem voz
Casamata textos de Regina Guimarães desenhos de Paulo Ansiães Monteiro