Alcatrão
Alcatrão
Luis Brito
Este talvez não seja o tom certo para um press release, mas pouco importa, serve para partilhar segredos. Andamos, autor e editor, há meses a discutir se devíamos apresentar este livro à sociedade como literatura de viagens. (Não que a dita se importe.) À primeira leitura parece isso mesmo, sendo escrito na primeira pessoa, passa a vida a descrever paisagens e desafios à autoridade, ao saber e ao destino em percursos supostamente verídicos por lugares tão distantes ou tão próximos como Moçambique, Indonésia, Índia, Turquia, Argentina ou Chile.
Só que o autor foi um e voltou outro, o que raras vezes acontece na actual «literatura» de viagens, em que os outros voltam mais do mesmo. Descobre-se por aqui um fio narrativo que parte da autoconsciência como território primeiro, mas que ao andar vai desenhando o mapa, com situações, encontradas ou inventadas, e com elas desenvolve diálogos apenas possíveis na melhor das ficçõe partir, mas terá que levar as botas pesadas com esta lama doravante sua: o deslumbramento quase cínicocom os detalhes bicudos dos dias, a descrição esculpida a navalha da paisagem, a atenção aos músculos das pernas em movimento e aos motores automóveis ainda que parados, o encantamento com o outro e o seu olhar, uma espiritualidade que lateja como o sangue nas veias,o desejo maior da fuga e os inevitáveis regressos.Com ou sem caminho, estamos perante bela obra de descoberta, um grito que se ergue acima das tempestades, a íntima do autor, e a dos nossos dias, tão pública.
