A Única Palavra
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Posso então prosseguir
sendo quem sou,
religando-me à única palavra
– a cada dia que passa
cresce em mim
a possibildade
de não existir mais nenhuma.
Subo serras que são ondas,
ouço fragas como búzios,
e vejo no espelho imenso do céu
assombros de balbuciar o pasmo.
Faço companhia ao caminho
e abro nele com as mãos
que o escrevem
e a voz que o canta
o poema que será concha
ou rio
ou árvore
ou Outro qualquer
– porque ainda não te disse
o que decerto não concebes:
somos um,
o mesmo,
múltiplos desse que pergunta
quem é
antes ainda de se reconhecer
existente
quando do mistério emerge
o estremecimento inefável
no grande paradoxo de ser assim
– estranheza da partícula
que olhando o Mundo
encontra nele
toda a beleza
e todo o horror.
E isto que digo, Auguste,
não será sentença, definição,
teorema com jargão,
mas tão-somente epifania do poema,
fasma dissolvendo-se na miragem,
logo recompondo a sua aparição
na metamórfica natureza da passagem.
Tão-pouco se quer oculta
esta ascese (ou lá o que é)
que me galga
opondo-se a que o poema
se interponha
– obscurecendo-as –
entre estrelas.
É contra a opacidade que escrevo
e não, não tergiverso
– apenas escavo dentro de mim
em tronco nu diante do Mundo.
A Única Palavra
de Sarah Adamopoulos
(capa de Carolina Bastos/ composição por Joana Pires
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