A Simpatia dos Exilados
A Simpatia dos Exilados
de Manuel Almeida Freire
82 pp.
Urutau, 2023
9786559004812
Este livro de Manuel Almeida Freire foi escrito no decurso de duas pestes mortíferas (a pandemia do vírus Covid-19 e a guerra suja de Putin) e de outra ainda mais mortífera (a anunciada peste climática, que tudo indica ir pôr fim à vida no planeta que habitamos).
Este pano de fundo convoca indignação e, no caso de haver talento disponível, a expressão acutilante dessa indignação. O horror que defrontamos não se compadece com uma linguagem penteada e vigiada, antes sugere, com grande força e acinte, o uso deliberado daquele calão feio, do qual o grande poeta americano Carl Sandburg dizia que ele é “a linguagem que arregaça as mangas, cospe nas mãos e vai à vida”.
O autor deste livro usa o verso livre, que notáveis poetas do século xx rejeitaram, mas que outros, igualmente notáveis, acolheram.
O verso livre acomoda bem a linguagem brutal, vingativa e assassina, que se impõe, como reacção inútil mas incontornável, ao pesadelo que vivemos e promete ser terminal.
O verso livre e indignado é aquela espécie de “gaguez organizada”, de que falava Marshall McLuhan, a propósito de linguagem, e que esta, de Manuel Freire, é, muito em particular, bom exemplo.
W.H. Auden definia a poesia como “a expressão clara de sentimentos confusos”. O verso livre do autor deste livro nunca deixa de ser claro, mesmo quando glosa a grande confusão que nos cerca e os sentimentos contraditórios que nos visitam. Sandburg, a que já atrás recorremos, dizia que a poesia é misturar jacintos com biscoitos. A poesia fala-nos, realmente, muitas vezes, de “aproximações” improváveis ou bizarras: estas poderão confundir-nos, mas a linguagem que no-las veicula não deve acrescentar à confusão: deve ser clara, para nos permitir visitar a complexidade e o contraditório, sem nos perdermos pelo caminho.
A “linguagem afiada”, de que nos fala um poema deste livro, é isto mesmo: clara, na sua acutilância bem afiada e vingadora.
Eugénio Lisboa