Talvez a Dúvida
«Não seremos nós a recolher os frutos
Caídos. Outros chegarão. Por dentro
Dos corpos que pairam acima das cidades
Há desejo reduzido às transparências
Da respiração demorada. Não será
A língua a fazer-se corpo das primeiras
Palavras da manhã. Nem será a manhã
O lugar mais evidente para a distribuição
Da leveza pelos objectos. Outros
Tomarão para si o vigor do acto,
A continuidade da tangência. Nós
apenas dizemos do que contemplamos,
Lambemos cinza para construir saudade
E outras pequenas devoções menos
Admiráveis. Falamos de amor, deixamos
A ilusão inundar dias e ruas. Contudo,
É o fogo verdadeiro que queima
As paredes das nossas casas. A solidez
E a dureza da realidade impedem-nos
O avanço para lá da solidão.»
Talvez a dúvida
de Rui Almeida
(capa e ilustrações de Bárbara Assis Pacheco / grafismo de Joana Pires)
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