A nossa solidão é esta avenida decotada do passeio do acaso, furtiva e escancarada artéria tantas vezes paralela ao coração onde um almirante não serve a arquitetura onde sobe a miséria do terminal do elétrico até à igreja fronteira à sopa dos pobres efémeros sentinelas armando cartões nas fachadas das lojas, trastes, artigos de ocasião (apanham-nos de dia noivos investindo num projecto de família).
O nosso é este meio de solidão que se carrega de qualquer coisa que não é bem perpétua atmosfera de névoa nem sujidade, que também é terna, pena suspensa (corvos de Lisboa, naus gastas), saudade, porque não, sentimento de povo sem pátria desmentido; crer creio nisto que na indigência e vício coexiste a gente dá-se e da carência faz-se uma disciplina às claras e por muito pouco desprende-se quase nada que se tem
Lançamento de Margarida Vale de Gato (capa de Luís Henriques / grafismo de Joana Pires)