Catar Catataus
A santidade de solos até então classificados como meros flatos de voz
Agora há murais, pai
na berma do antigo matadouro
e flores pintadas nas esquinas
por esses bairros
aonde me levavas
em deambulação sentimental.
Contam-se ainda
épicas saídas à pesca nas varandas
e o Verão como um soluço
reconstitui jangadas improváveis.
As tuas gigliolas morreram todas
desejosas de ir ter contigo
com os teus olhos cravados no seio
das montanhas que sabes.
Alguém ainda encontra mirtilos
e espargos na colina
mas nunca mais vi amoreiras de papel
nem comi voo de pássaros
a não ser em sonhos.
Fui cavalear as tuas vias
de bicicleta uma tarde
quando o mar se entregava aos turistas
sem saber
das fugas de capital
dos banqueiros
e doutras amenidades.
A arte da estrada era andar contigo
mas sem ti
nenhuma varanda me convidou a entrar
para a tarde secreta dos corredores
onde a mata espessa era assobio de vizinhos
já ninguém cantarola a canção dos pombos
mas toca-se bateria
porque a cidade é assim
cresce pelas costuras
esquece muitos atalhos
mas continua a ecoar
na fofoca das gaivotas
porque a cidade é assim
como tu e eu
dialoga com o tempo
em linguagens sempre novas:
agora há murais, pai.
Catar Catataus
de Paola D’Agostino
(capa de André Tecedeiro / composição por Joana Pires)
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